08 agosto 2007

06 agosto 2007

As férias do Sr. Hulot

O sol inclemente deste domingo maltratou a minha pele, reconhecidamente melhor preparada para banhos de luar do que para aventuras balneares.
Gosto, porém, desta peculiar praia de perene nortada, onde a temperatura do mar é adequada a ursos polares, como se correntes e marés não soubessem medir latitudes. Os locais insistem em chamar-lhe Moreiró, mas mapas e tabuletas batizam-na de Sampaio.
A ela chega-se por caminhos apertados por extensos milheirais e casas de lavoura anacrónicas, o que só acrescenta ao seu privativo encanto. Um ou outro tasco "acafézado" oferece-se aos banhistas, sem vislumbres cosmopolitas, que por lá, de qualquer modo, estariam deslocados.
É de tempos recuados a vereneação por aquelas bandas, pois lá está o Castro de Sampaio (uma dúzia de pedras reveladoras, testemunham se necessário for), pendurado nas dunas, com vista de condominio fechado sobre o oceano. Seriam da Idade do Ferro, mas os sampaienses ancestrais, em matéria paisagistica, não eram pecos.
Convite amigo, mas igualmente interesseiro, carregou-me a Sampaio.
- Amigo, porque de facto é.
- Interesseiro, porque gulosos e conhecedores das minha lendária (e secreta) habilidade na arte grelhação de toda a sorte de peixes e viandas, armadilharam a minha estância com um cento de sardinhas (das gordas) e umas brasas manipuladas com adequado "savoir faire".
Incapaz de iludir o destino, dediquei-me com bravura à minha arte, cuidando sardinhas e carvão da mesma forma que o Diabo pastoreia almas no Inferno: com calor e devoção. E, também como o mafarrico, vestido de uma reduzida tanga.
Nesses preparos, vislumbrei, porém, uma subtil intervenção Divina. Dava-se o caso de ter um frigorífico prenhe de cerveja gelada, distante do inferno um mero estender de braço. Não podendo abrigar o resto do anatomia, a goela, pelo menos, foi um permanente oásis de frescura. As sardinhas, com agrado geral e comentários encomiosos, fizeram juz à fama do artista e marcharam que nem figos. A cerveja fez igualmente o seu papel desinibidor e, por meu intermédio, desassossegou os convivas (particularmente os de mais bom gosto no vestir), à força banhos de mangueira, actividade que, estranhamente, recolheu firme apoio e incentivo no seio da miudagem e da única cadela presentes no nosso seio.
No rescaldo destas actividades hídricas, o prejuízo foi claro para uma senhora de Lisboa, circunstancialmente convidada, que regressou a casa com um sorriso amarelo e uma câmara fotografica estragada por uma mangueirada mais desastrada. Pode ser que a câmara seja das subaquáticas.
Gosto da estética daquela casa de praia, que, por alguma estranha razão, sempre me faz lembrar as "Férias do Sr. Hulot" e me transforma, por um par de horas, em burguês.
A Lua, nunca a tinha visto nascer como hoje, assim, tão bonita, redonda e grande, atrás de uma casa antiga, la longe, no meio de um campo de milho.
Fotografá-la, sem preparos prévios e demorados, não é possível. Fotografar uma paisagem com Lua tem os seus macetes e carece de equipagens que não estavam à mão. Pena!
Talvez por causa da Lua de hoje, do cão e do pavão não há notícia. Pode ser que, contrariamente à voz corrente, haja na sua existência de animais alguma percepção do Belo e se limitem a observar o astro, reverentes.
Apesar de ainda feder genericamente a sardinha, no meu braço esquerdo, contrariando as químicas, continua a resistir um pequeno oásis aromático.
Vou dormir para o terraço.
segunda feira, 30 de Julho, 1h58