25 dezembro 2008

História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga
Antologia Poética
Coimbra, Ed. do Autor, 1981

01 dezembro 2008

Boas Festas


Boas Festas à tutti quanti.. sem distinção de reino, género, raça, credo, idade, estado de conservação, formosura, presença de espírito, Q.I., grau de presunção, sanidade mental, currículo ou património.
Mas de um modo particular e distintivo:

à São
à das Neves
ao Zé Carioca e ao Peninha
ao burrinho do presépio, que esteve o tempo todo a pensar em comer a vaca
à sujeita que acha que são os outros todos que andam em contra-mão
à auto-estrada A41
ao corpete
a quem andou e não tem para andar
ao Manoel de Oliveira (100 anos é do camandro!)
ao Luiz Pacheco
ao boi Alandelão
ao Senador Pinheiro Machado
ao Alfa Pendular das 6h05m
ao cimento cola
ao Zebriu
às mulheres que usam cinta
aos homens que fumam cigarros sem filtro
aos loucos de Lisboa, que nos fazem duvidar
ao Japão
à Scarlett, pré-produção
a Sigur Rós…nãaaa
ao Rei da Bélgica
ao Peninha (o cantor)
ao Firmino Bernardino
ao brinco do Vitor Batista
ao Garrinchas, que, embora indigno, faz de S. José
à Celestina, que é da Giesta
aos peitos da Sarmento, que são um portento
à solidão
às colchas bordadas a ponto inglês
ao pincel e à brocha
à colher e à talocha
à plaina e ao formão
ao Parque de Avioso
à mulher do Barack Obama, aquela…não sei como se chama
ao “Tanto do meu estado me acho incerto / que em vivo ardor…”
ao licor Beirão
às moças da Guarda Republicana
às singularidades de uma mulher loira
ao Eça
ao Camilo
ao Duda Guenes
ao Ubaldo
e etc.

Se me esqueci de alguém, logo acrescento, se me lembrar….longos dias têm 100 anos.

15 novembro 2008

Não quero ir embora...

- I don't want to leave.

- So don't. Stay here with me and we'll start a jazz band!

Para quem queria saber o que ele lhe disse no final do filme Lost in Translation

29 outubro 2008

Garganta de El Chorro



Tropecei neste video, por entre a tralha da Net. É arrepiante.

Fez-me lembrar que nos idos de 1993, carregadinho de testosterona, também por lá andei a cheirar. Apre!

23 outubro 2008

Estou é parvo.

BARACK OBAMA OU JOHN MCCAIN?... E SE NÃO FOSSE NENHUM DELES?


O voto é uma arma. RA (rir alarvemente)

17 outubro 2008

Credit Crunch 101

Não me convencem com esta explicação.
Estão lembrados daquele grupo que tentou impedir que o Large Hadron Colider (nome macho!) fosse iniciado? Que poderia criar um buraco negro que engoliria a Terra?
Pois é. Eu suspeito que os maganos estavam cobertos de razão.
É que nunca mais se ouviu falar da geringonça. Dizem que a avariou.
Para mim aquilo deu bernarda e o povo científico cavou...deu às de vila diogo para não pagar a loiça partida. Aquilo era tudo malta das universidades e o catano e toda a gente sabe que a estudantada gosta é de queima da fitas e borgas e não é lá muito responsável.
De maneiras que ou muito me engano ou o grande colidor de hadrões (sheesh) está para lá a funcionar em roda livre, a criar buracos negros à toa, como quem coze moletes.
Qualquer analfabeto sabe que o buraco negro é uma cena marada e que se não for manuseado com cuidado, cumprindo todas as regras de higiene e segurança no trabalho, o dito desata a engolir coisas que é um disparate.
Ora estando o maquinismo instalado na Suíça, é muito natural que os buracos negros aí criados se especializem em engolir dinheiro, mercê da abundância em que este aí ocorre (melhor dito: ocorria).
Os governantes do mundo têm tentado esconder o óbvio, descarregando mares de notas no buraco negro, na esperança de aplacar a sua voracidade e tentar evitar que ele comece a engolir outras utilidades, bem mais necessárias do que o dinheiro. Esse perigo é bem real e aconteceu por estes dias, quando o abastecimento de dinheiro relaxou um pouco e pumba! o buraco engoliu a Islândia como se fosse um figo.
Esconder esta realidade é tapar o sol com uma peneira: o Large Hadron Colider é o responsável pela crise financeira mundial. Eles bem avisaram.
Eu sei disso de fonte segura, porque já tenho um buraco negro no bolso das calças, que ainda agora lá pus uma nota de 10 euros e ela já lá não está.
Quando o dinheiro acabar, prevejo que, sendo suiço, o buraco, também por razões de especialização, se vire para o chocolate e depois para as vacas. Isso vai dar-nos uma folga de 10 anos. Vou aproveitar para me por de bem com a minha consciência, antes de ser devorado.
Por ela ou pelo buraco.


10 outubro 2008

Farfallas, pousem !


Última hora: Continua a monte o perigoso cadastrado que foi surpreendido pela polícia a sonhar ao volante. As autoridades alertam que o indivíduo, de estatura meã, pode ser facilmente reconhecido pelo seu brilhozinho nos olhos, que acompanha de um sorriso idiota. A população deve abster-se de o abraçar, para evitar cumplicidades sistémicas.

18 setembro 2008

Por que no te callas, Piño?

Um dia depois do ministro da Economia vir dizer que ficaria muito surpreendido se a gasolina não baixasse rapidamente, a BP resolveu... .aumentar a gasolina.
Doravante a esperança é que o ministro não fale mais sobre o assunto, para que as petrolíferas, ao menos, não se lembrem que podem abusar, impunemente, das suas posições dominantes.
É caso para dizer: "Por que no te callas, Piño?"

10 setembro 2008

Large Hadron Collider (LHC)

Large Hadron Collider deve ser o nome mais fixe que já alguma vez foi inventado para alguma coisa...wow.
Agora juntemos-lhe a respectiva missão: descobrir o bosão de Higgs, o qual deve ser o 2º nome mais fixe alguma vez atribuído a alguma coisa. O bosão de Higgs vai ajudar-nos a perceber o Big Bang.....bem...isto é cada cavadela cada minhoca.
A Física é a ciência mais cool que existe. Sempre tive um fraquinho pela Física.

25 agosto 2008

Oh Rosa! arredonda a saia!


No jardim onde, em perfeito decúbito dorsal, deito contas à vida (que, sacana, teima em não as aceitar), tem uma rosa hippie a entrar na menopausa, muito mais encantadora, agora que se fina, do que nos seus tempos de menina.

19 agosto 2008

Dia Mundial da Fotografia...

...sendo que, em boa verdade, a fotografia é interessante mas é à noite. Noite Mundial da Fotografia...huh? Não...?

06 agosto 2008

Livração


Na Livração, poucos são os livros que andam de mão em mão. Os guarda-livros foram, em tempos, guarda-freios sem meios e não se livram da fama de roçarem os seios alheios, nas horas de aflição, no aperto da confusão, gerada pelo fumo da, simpática e pouco asseada, estação da Livração.

29 julho 2008

Prémio Camões

Então o João Ubaldo lá ganhou o Prémio Camões e facturou 100 000,00. Ganhou porque, nas suas palavras, mereceu, ora!
Mereceu sim senhor, porque, além de ser um exímio contador de estórias, conta-as sem gastar as palavras ou usar as que já estão gastas. É um acrescentador de língua, ofício que já começa a rarear.
Eu e o boi Alandelão estamos, a modos que, vaidosos:
- Eu, porque há muito que sou tu cá tu lá com Itaparica (eis a prova) e vinha vaticinando, para mim mesmo, que mais cedo ou mais tarde alguém haveria de ter o bom senso de ter o meu bom gosto. Começo, aliás, a ter medo do acerto dos meus vaticínios em matéria de gostos e tendências;
- O boi Alandelão, por razões que não vêm aqui ao caso.

Para quem nunca leu, deixo aqui, devidamente desautorizado, uma das coisas mais bonitas que alguém já escreveu sobre Lisboa. Mesmo quem não gosta de Lisboa, depois de ler, fica com pena de não gostar. É do João Ubaldo Ribeiro.

O Vagabundo de Lisboa

Subindo aqui a avenida que dá para os fundos de minha casa, cumprimentando os passantes, parando para ver os meninos jogando bola no parque e assobiando uma musiquinha cujo nome não sei mas que, nesta manhã, não me sai da cabeça, detenho-me na Pastelaria Brasil-América, para comprar uma caixa de fósforos. Não sou muito chegado a essa pastelaria — cuja única qualidade (e, assim mesmo, questionável) é ser perto aqui de casa — porque as iscas que nela servem são de baixa qualidade e há um irmãozinho lusitano que nela trabalha que gosta de me gozar. Mas esqueci o isqueiro em casa, tenho de comprar fósforos. Encontro o mesmo irmãozinho, ele me diz o preço, eu me confundo todo com as moedas, ele me goza outra vez. "Um dia eu ainda lhe pego", penso eu, fingindo que não ligo, mas muito mal-intencionado intimamente.

E prossigo avenida Estados Unidos acima, para pegar o metrô, que aqui se chama metro. O dia não está nem quente nem frio, há um belo sol, as sacadas dos apartamentos estão todas floridas e vou ao Rossio em missão de vagabundagem. Acho-me um cidadão lisboeta e me vejo tomado de um certo sentimento de orgulho, ao cruzar com minhas concidadãs, a maioria plenamente imbuída do mesmo espírito primaveril e portanto usando umas blusinhas leves por cima da pele e balançando todos os tipos de simpáticos e risonhos peitinhos, como é — o Senhor seja louvado — do hábito de tantas raparigas aqui. Respiro fundo, paro um pouco na subida, aproveito para prestar atenção na moça que de lá vem, usando um chapeuzinho e uma espécie de colete em cima da tal blusinha, a qual mal esconde os tais peitinhos. Decido que não será necessária uma discrição excessiva, consideradas as circunstancias atmosféricas tão amenas e mais a minha exuberante lusofilia, de forma que, com tanta elegância quanto é possível aos baianos, ponho as mãos nos bolsos do casaco, detenho o passo e espero a moça passar, com interesse. Ela ajeita a mecha do cabelo que lhe sai por um lado do chapéu, sorri vagamente como se estivesse lembrando de repente alguma coisa agradável e passa triunfal a meu lado, reconhecendo tácita e cordialmente o meu silencioso cumprimento e meus encômios à boa forma de seu equipamento, tão afavelmente mostrado. Uma safadeza minúscula e inocente, que não me deixa remorsos e me faz achar o resto do caminho até o metro muito agradável. Safadezazinha, aliás, que, combinada com as milhares de outras safadezazinhas que, nesta manhã ensolarada e irresponsável, haverão de estar sendo cometidas em toda a nossa querida Lisboa, deixam a pessoa que respira fundo e não tem mal na consciência, deixam essa pessoa — como direi? — assim meio peralta.

Minha estação é a estação de Roma. O metro é pequeno e não mete medo, como o de Nova Iorque. Nem tem primeira classe, como tinha o de Paris antes de Mitterrand. Na gare, giro rapidamente o corpo para cumprimentar a moça que tripula a lojinha de fazer cópias xerox de que sou freguês. "Como passou?", inquiro na minha melhor forma lusitana. "Olá, como está?", responde ela, rindo com um certo encanto tímido. Por alguma razão, considero esse episódio entusiasmante, resolvo comemorar, apresento cem escudos ao bilheteiro e compro uma caderneta! Uma caderneta é um conjunto de bilhetes de metro que você pode usar a qualquer tempo e que saem a dez escudos, quando o bilhete individual custa quinze. Considero-me um mago das finanças por haver concebido tão fantástica economia.

Dentro do metro, a única cautela que cabe observar é, se sentar, ficar atento para senhoras grávidas e outras pessoas a quem a lei e o costume garantem assento. Se a gente não se levantar imediatamente, ao ingresso de uma dessas pessoas, a reação do público feminino, principalmente da parte de senhoras de preto e de bigode agudamente parecidas com uma tia-avó nossa que morreu antes de termos idade para realmente apreciá-la, é das mais sonoras. Há discursos, estabelecem-se debates. Como o meu sotaque, suspeito eu, é considerado primitivo, procuro abster-me e, além disso, não quero envergonhar Ruy Barbosa — o que é, como se sabe, obrigação de todo baiano. Logo no Areeiro entra o cego da ocarina, que, acompanhado por um senhor de boné e aspecto grave, toca seu instrumento com aquele ar destacado e longínquo dos cegos de feira do Nordeste, mas alguma coisa em sua expressão, alguma coisa desamparada e ansiosa, como também há nos cegos de feira do Nordeste, alguma coisa nos dedos que cobrem e descobrem rapidamente os buracos de barro da ocarina, como há nos dedos nordestinos que percutem as cordas das violas, alguma coisa impõe uma reverência instantânea, um ar de contrição, que a gente nota se espalhar como tinta por um mata-borrão, entre os passageiros. E depois há o som que ele tira dessa ocarina, estranhamente entrelaçado com o barulho do trem correndo por aqueles túneis de Lisboa, um som meio árabe, meio sertanejo, meio misturado com tantas memórias absurdas. As mulheres remexem nas bolsas, à espera de que passem o músico cego e seu digno auxiliar, que utiliza o boné para recolher as moedas. Os homens metem as mãos nos bolsos, esperam disfarçando, como se houvesse alguma paisagem para ver através das janelas. O trem vai chegar a Arroios, chia numa curva e o cego, indiferente ao gemido metálico das rodas, multiplica repentinamente as notas da ocarina, causando emoção visível entre os passageiros, emoção que ele não enxerga mas presume, o que se depreende de um esboço de sorriso orgulhoso, que deixa passar pelos cantos da boca ocupada em soprar. Olha-se assim em torno, não é o metro de Lisboa, são os fantasmas amáveis de nossas infâncias, são sons já ouvidos, momentos já vividos, saudades resgatadas, somos nós. Ali parados, segurando uma alça no metro de Lisboa, coisas ancestrais, nós. Disfarçando também, cato uma moeda, enfio-a no boné meio dobrado do assistente do cego. Cego este que sente a chegada à estação de Arroios, tem mais encantamentos a obrar em outras partes, e então sai acompanhando seu auxiliar e segue pelas escadas da gare acima, deixando uma trilha de sons da ocarina como uma fita espiralada no ar, que, mesmo depois de fechadas; as portas e retomada a nossa marcha, ainda persiste em nossa pequena comunidade.

Meu lugar favorito de Lisboa, naturalmente, é o Rossio, onde invariavelmente desemboco pela mesma saída do metro, em cima da Suíça, uma pastelaria de dezenas de mesas na calçada, em que as pessoas passam o dia todo tomando um cafezinho (uma "bica”) mordiscando bolinhos e paquerando as nórdicas que ali vêm fazer a praça. Graves decisões: vou na direção do Café Nicola ou passo antes pela Praça da Figueira? Nós, vagabundos, temos problemas como quaisquer outros mortais. Pela Praça da Figueira, eu pego a rua da Madalena, onde se situa minha ervanária favorita. Julgo de bom alvitre passar pela ervanária,afinal há muito tempo que não vou lá, preciso saber das novidades. E, assim, imerso num incrível rebuliço de gente, cheiros, cores e ruídos, marcho para a Praça da Figueira. Há um camelô muito sério, demonstrando um fantástico cortador de vidro. Pega laminas de vidro de uma caixa e, conversando em alta velocidade, corta fatias de vidro como alguém tiraria rodelas de uma cenoura. "Quanto é o cortador aí?" pergunto eu, subitamente, achando que não posso passar sem um cortador de vidro — não há coisa mais indispensável para um escritor. São 150 escudos, pago sem discutir e vou de cortador em punho para a ervanária, cujo cheiro indescritível já começo a sentir desde a esquina. Lembro os prospectos: há chás e tisanas para tudo, inclusive para duas doenças que pretendo divulgar bastante, quando voltar ao Brasil: a fraqueza nervosa (da qual já padeço, esporadicamente) e o afrontamento de senhoras. Ainda não consegui informações precisas a respeito do que é o afrontamento de senhoras e tive vergonha de perguntar ao caixeiro meu amigo, na ervanária. Mas qualquer um concordará que se trata de uma enfermidade a ser gravemente considerada. Resolvo levar alguns sacos de chá para afrontamento de senhoras, quando voltar ao Brasil, em meio a minha bagagem de ervas milagrosas, com as quais pretendo receitar todo mundo. Na ervanária, não muitas novidades, a não ser umas pílulas de alho de fabricação revolucionária, que o caixeiro me recomenda com ênfase. Mas, as antigas? — pergunto eu, hesitante. Continuam boas, responde ele, mas nestas cá vê-se o óleo através das cápsulas. De fato, vê-se o óleo. É um argumento irresistível. Compro duas caixas, umas certas pílulas de pau d'arco, uma garrafinha de extrato de ginseng, mais umas miudezas e, com meu saquinho, volto pausadamente à Praça da Figueira, parando para olhar as vitrinas (as montras, perdão) de comida, arrumadas das maneiras mais caleidoscópicas pelas ruelas em volta do Castelo de São Jorge: sapatas, amêijoas, santolas, chamuças, carapaus, fiambres, chouriços, ginjinhas. De vez em quando, eu entro num desses estabelecimentos, só para ver a exposição das comilanças. Eles vêm ver o que eu quero e, quando explico que estou ali somente para uma espécie de fruir estético, eles até me oferecem, de vez em quando, uma excursão turística pela despensa e pela cozinha. Marco mentalmente o meu almoço: vou ao restaurante de Mimi, no Parque Meyer, comer na varanda, entre as plantas e alguns velhos atores de teatro de revista, conversando com os gatos e tomando o vinho da casa.

Mas isto só depois, porque me emociona estar aqui de volta ao Rossio, na boca da Baixa e do Chiado, esperando o sinal abrir e os ônibus de dois andares pararem de querer me atropelar. Gente que não acaba mais e meus amigos da porta do Café Nicola e do Pic-Nic — os angolanos, moçambicanos cabo-verdeanos e guineenses, todos vestidos de Bob Marley e todos muito loucos, transando haxixe. O comércio não é tão discreto como se esperaria, dada a sua natureza, digamos, delicada. Brazuca, um angolano assim chamado porque morou muito tempo no Brasil (de onde foi, lamentavelmente, expulso devido "a um problemazito de uma maconhazita", me cumprimenta amavelmente. Os negócios devem ir bem, ele está de blusão novo e passado, barba feita e transas com fitinhas impecáveis. "Não quer lá um chuculate, homem?", me pergunta ele, sacudindo na minha cara um pedaço de haxixe deste tamanho. "Que é isso, Brazuca?", digo eu. "Olhe os homens aí”.Aproveita — responde ele como se não me tivesse ouvido — que é coisa finíssima que chegou hoje do Marrocos. "Depois, Brazuca, depois", respondo eu levemente embaraçado, inclusive porque, junto a mim, um senhor que me parece hindu, muito sério e de paletó e gravata, reclama com outro transeiro do tamanho do pedaço de "chuculate" que acaba de lhe ser vendido por mil escudos. "Mas um conto, isto, um conto!", diz o senhor hindu, obviamente achando tudo um absurdo e exibindo aos passantes a prova de sua alegação, diante do sorriso desdentado do seu transeiro. "Um conto, isto!", repete o senhor hindu, mostrando a mim o pedacinho do chuculate. De fato, achei pequeno, mas não considerei apropriado continuar a envolver-me no processo em andamento, de forma que me fiz de desentendido e prossegui na direção da rua do Carmo. Lembrei que tinha compromissos inadiáveis: curtir as livrarias, comprar cigarros na tabacaria de um feroz comunista amigo meu, tomar uma cerveja n'A Brasileira e dedicar algum tempo a apenas me sentir maravilhosamente bem ali mesmo naquele formigueiro da Baixa. Lembrei Dorival Caymmi, uma vez explicando, antes de a Bahia haver sido destruída como Lisboa, felizmente, não foi — e como não foi, em tantos sentidos! —, umas certas cores uns certos ares que era imperativo ficar curtindo, em vez de trabalhar. Não há tempo para trabalhar, dizia ele, a pessoa fica muito ocupada vivendo.

Pois então, pois cá tenho vivido muito em Portugal. Não propriamente vendo coisas, embora haja, é claro, coisas para ver, mas sentindo. Não propriamente aprendendo, mas me acrescentando de tantas formas sutis e fortes, por tantas vias antes insuspeitadas. E então, sobraçando minhas ervas, meus livros, meus postais velhos, meu cortador de vidro, desço de novo ao Rossio. Vou caminhar pela avenida da Liberdade, em ponderado passeio para o Parque Meyer. O dia fica cada vez mais luminoso, só consigo pensar em coisas boas. A velha estação dos comboios parece uma catedral, a avenida se abre como se fosse haver uma parada, eu adoro Lisboa. E, se você não aproveitar a primeira chance que tiver para vir curtir esta minha cidade, você é bobo.


que tal, ah?

24 junho 2008

Cocteau Twins - Aloysius (live)


Em 1984 havia uma banda escocesa chamada Cocteau Twins que eu gostava de ouvir fechado no quarto, de persianas corridas, na completa escuridão. E Liz Fraser fazia-me levitar. Em 1984 fizeram um disco chamado "Treasure" e nele colocaram uma música chamado "Aloysius".

05 maio 2008

Young@Heart

Lights will guide me, too? Will they?... Will they?...Huh, mom?

"Fix you" - Coldplay by Young @ heart

18 abril 2008

Carta aberta a Fernanda



Fernanda,

Depois da trapalhada daquela tropa fandanga do PSD, já se viu que não há pai para o seu engenheiro. Não tarda muito, se isto continua com esta mão, ficamos todos num oito.

Você é a nossa última esperança, Fernandinha, a nossa tábua de salvação.

Pelo amor de quem lá tem, Fernanda: câncio, para ver se ele nos dá uma folga.

Segue-se um avaixo-açinado.

27 fevereiro 2008

25 fevereiro 2008

Come closer


Come closer:
tie your nuts,
squeeze your springs,
screw your bolts,
read the fine print,
lighten up.

22 fevereiro 2008

The DJ is in da house

mar de lessa.mp3

Nitidamente enferrujado, mas estou de volta às loops e mixes.

The DJ is back in da house...eheheheh

18 fevereiro 2008

DJ Jacaré

Ale by Alo.mp3

Os computadores têm certas necessidades. Convém fazer uma limpeza períódica do lixo que neles se vai acumulando. É como ter um enorme sótão virtual onde se vão acumulando o pó e as recordações das viagens.

Desleixado que sou, porém, são muito pouco frequentes essas limpezas, pelo que, sempre que encho o peito e deito a mão ao espanador digital, é como fazer uma "trip down memory lane".

Raramente limpo mais do que meia dúzia de ficheiros, pois rapidamente fico a pasmar, incrédulo, perante as coisas que fui fazendo ao longo dos anos.

Hoje tropecei nisto.

Apesar de da música não saber mais do que carregar no botão do "play", em Dezembro de 2004, com recurso a um programinha de computador, perdi horas insanas a colar os sound bytes da obra prima que, muito pintas, chamei "Ale by Alo".

Maravilhado, perante o resultado final, em delírio (certamente alguma febre), achei que o próximo passo seria, no mínimo, a MTV, seguida de uma vida delicodoce, suportada pelos direitos de autor que fariam jorrar na minha conta bancária sucessivas ondas de dinheiro.

A mix tinha o propósito de homenagear alguém de forma original e arrasadora. O objecto da homenagem, felizmente, não ligou pevide, poupando a MTV, o mundo e, principalmente, eu próprio, a muitas figuras tristes, obrigado!

Não obstante isso, ficou para minha diversão e memória pessoal.

E para perceber que a motivação é mesmo a alavanca do mundo.

É só clicar no play e conferir.

13 fevereiro 2008

De volta aos Falcões e aos Mandrakes

Pessoa culta e bem formada, leitora inveterada, deu-me conta, recentemente, da sua aversão à Banda Desenhada. Que gostava da leitura pura e dura, com palavras e letras alinhadas na devida e competente ordem, sem outras distracções que não fossem as incontornáveis "viragens de página". E a Banda Desenhada estava nos antípodas desse seu gosto, porque era uma arte desorganizada: quadro acima, quadro abaixo; onamatopeias e balões; tudo em grande e aflitiva desordem. O mais das vezes, fruto dessa misturada, acabava por ler os diálogos do fim para o princípio e isso não lhe servia.
Fez-me uma grande impressão essa confissão.
Eu, à minha conta, devo ter devorado milhares de Falcões, Mundos de Aventuras e quejandos. E lembro-me perfeitamente como tudo começou:
Pelos meus 4 ou 5 anos, largado nas minhas deambulação pela casa da minha avó, cheirando aqui espreitando acolá, descobri, no quarto dos meus tios moços, um baú de generosas dimensões, tão carcomido pelo bicho, que, apesar de aferrolhado, permitia aberturas onde cabiam à justa as minhas mãos e braços de cachopo, que, ao longo de alguns anos foram apalpando e retirando, à sorte, mirabolantes aventuras de Fantasmas, Principes Valentes, Tarzans, Kalares, Ric Ochetes, Majores Alvegas, Robins dos Bosques, Mandrakes, Sandores, Buffalos Bills e tantos, tantos outros.
De cada vez que enfiava a mão naquele buraco do baú, o tempo parava e, qual Xavier de Maistre, à roda daquele quarto, viajava aos confins do espaço sideral com o meu parceiro Rick Random. Em menos de um fósforo, passava à selva impenetrável, muito camarada com Kalar, para, no final da tarde me dedicar a por as Antilhas a ferro e fogo com a ajuda de Sandor, o Corsário.
Durante anos carreguei pilhas de revistas, muito surradas, emprestadas por malta amiga, e que circulavam de casa em casa, sem nunca se ter sabido muito bem qual era a sua origem ou dono, pois não havia memória de alguém, alguma vez, ter comprado uma revista sequer. Eu, por mim, nunca gastei um tostão.
Sei que, não fosse a BD, hoje seria pessoa diferente. Melhor ou pior, não sei. Mas diferente, seguramente. Daí a minha perplexidade.
Desgraçadamente, dos milhares, sobrou-me apenas esse Falcão aí de cima. Pena!

09 fevereiro 2008

Heroes

Podemos ser heróis, nem que seja só por um dia.

O Bowie, nesta, é bom, porra. E a guitarrista careca é intrigante qb.

04 fevereiro 2008

Natividade

Ninguém diz "caralho" e "foda-se" com tanto encanto como ela.
Nas circunstâncias adequadas, até o vernáculo soa a soneto.

29 janeiro 2008

Marta


O Okavango é um peculiar rio africano. É conhecido como "o rio que não encontra o mar". Não desagua. Não tem foz. Em vez disso, as suas àguas poderosas e incrivelmente límpidas simplesmente desaparecem no meio do deserto do Kalahari, num fantástico labirinto de milhares de lagoas, ilhas e canais. O Delta do Okavango, o maior e mais belo oàsis do mundo, espalha-se por 15 000 km2 de azuis e verdes que não existem em paletas nenhumas. Visto do espaço assemelha-se a uma enorme esmeralda perdida no meio do deserto. As àguas do Okavango, apesar de não irem para lado nenhum, suportam uma míriade de formas de vida luxuriante, que nela apazigua a sua monumental sede primordial. É como se o rio, deslumbrado, se deixasse ficar a assistir às suas proezas e desistisse de chegar ao mar.
Afinal, ao mar chegam os outros todos.
Eu não conheço o delta do Okavango, mas conheço a Marta.
E a Marta é um Okavango, para melhor.
Feliz aniversário, Marta.

25 janeiro 2008

Mandamentos avulsos - II



Desejarás, e serás desejado, com intensidade desbragada, porém na justa medida da reciprocidade.

16 janeiro 2008

04 janeiro 2008

Prémios Drago 2007

*Canção do Ano*

ex-aequo

Encosta-te ao Jorge Palma e "Vai beijar o Homem-Bomba"


Tira a teima e "diz-me se vês um amor infinito ou somente um par de algemas"

*Praia do Ano*

Barranco das Belharucas (pelo 2º ano consecutivo)
Àgua de Madeiros (runner-up surpresa)
*Auto-Estrada do Ano*
A1 - troço Leiria/Coimbra (surpreendente quando feita de noite a 40km/hora)