21 novembro 2007

Intimidade

Todas as quartas feiras, uma mulher banal, vai ter com um homem, ainda mais banal, a um apartamento espartano (melhor dito miserável) num qualquer subúrbio de Londres.
O propósito da visita semanal é um só: sexo. Por isso, parcas palavras são trocadas.
Não se sabe quem são ou como se conheceram. Apenas se sabe da infalibilidade do calendário. Dele vai-se descobrindo aos poucos uma infernal existência pessoal. Dela, nada. Mistério absoluto.
Porém, todas as quartas feiras, dois corpos, que já conheceram melhores dias, cedem aos instintos mais básicos, sem conversa superflua. A ela isso bastava-lhe. A ele, um dia, deixou de bastar, e resolveu segui-la.
Sem ela perceber, descobriu-lhe uma vida corriqueira de dona de casa, com um filho, casada com um taxista gordo, desinteressante entre os desinteressantes.
Numa atracção de mariposa pela luz, o amante (?) interage com o marido enganado, até lhe sugerir, nas entrelinhas de conversas de pub, o estranho caso que a mulher dele mantém consigo.
Logo que descobre que deixou de ser anónima, a dona de casa acabou com as quartas-feiras e escolhe seguir a vidinha no táxi, para felicidade do taxista.
A traços grossos, esta é a história de "Intimidade" (Intimacy) [trailer], filme de Patrice Chéreau, que em 2001 ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim.
Gerou, na altura, (soube, não me lembro) alguma controvérsia pelas ousadas cenas de sexo explícito (mesmo explícito) e foi comparado ao "Último Tango em Paris.
A crítica feminina zurziu-lhe pela falta de verosimilhança da história: nenhuma mulher se sentiria atraída por aquele sexo, daí que o filme fosse, diziam, uma mera reprodução do estereótipo da fantasia masculina.
Porém, o ele ir atrás dela deita por terra a típica imagem de macho, reconhecidamente pouco dada a conversas nesse departamento.
No entanto, quando vi o filme, há uns anos, confesso que fiquei na dúvida: fantasia ou a arte imitando a vida?
Hoje, porém, não tenho dúvidas. A conversa é inevitável, logo, a história é plausível.

20 novembro 2007

Vigilância

" Vigie seus pensamentos, porque eles tornar-se-ão suas palavras;
Vigie suas palavras, porque elas tornar-se-ão seus actos;
Vigie seus actos, porque eles tornar-se-ão seus hábitos;
Vigie seus hábitos, porque eles tornar-se-ão seu carácter;
Vigie seu carácter, porque ele tornar-se-á seu destino."

Esta é uma citação usada a propósito de tudo e de nada na blogosfera.
Nunca vi referência à origem, mas palpita-me que se inspire na Epístola de S. Paulo aos Filipenses.
Se for possível evitar o excesso de zelo vigilante, sempre nefasto à germinação das ideias, parece-me ser um cuidado básico de higiene mental, a praticar naquelas vezes que nos dedicamos à tarefa de "arrumar os papeis" na cabeça.

16 novembro 2007

Miaa Rose

Miaa Rose é já uma pequena starlet global nascida e criada no Youtube, de onde ainda não saiu, mas seguramente vai sair. Tem já, até, clubes de fans e os seus vídeos têm milhões de visitas.

Eis senão quando, sai-se com esta surpresa:

Os Youtugas ficaram aparvalhados. Palavras para quê? É a Maria Antónia Sampaio Rosa.

O estranho caso da casa de um livro só

Eu tenho uma curiosa estória com João Ubaldo Ribeiro. Bem, não é com ele, que, coitado, nunca me viu mais gordo; é sobre ele. Ou melhor, sobre as crónicas dele.
Faço, antes do começo, um prévio registo de interesses: dos vivos, o João Ubaldo pode muito bem ser o maior cronista de costumes da língua portuguesa. Tenho a noção da gravidade da afirmação, mas eu acho.
Feita a advertência, saiba-se que há um bom par de anos, mão amiga, sabedora do meu enlevo por livralhada, e também, porque viera a talhe de foice numa qualquer conversa que não fixei, deu-me a conhecer um texto saboroso, cujo era (e é) "Memória de livros" [ver aqui] da lavra do supradito autor brasileiro. Tão bom ele era (e é) que continuo, ainda hoje, a fazer-lhe visitas frequentes, só pelo prazer de o reencontrar.
Lido o texto, primeiro, fiquei a matutar de onde diabo conheceria eu aquele Ubaldo, escritor. O nome não me era estranho.
Feita a competente investigação, lá confirmei que em tempos recuadíssimos, na bruma do início dos anos 80, o senhor escrevera umas crónicas no trissemanário "A Bola", aproveitando um período que vivera em Lisboa, com bolsa da Gulbenkian.
Sim, é verdade, confesso com saudade, eu lia o trissemanário "A Bola", e tenho pena de quem nunca o leu. É que "A Bola" de então está para "A Bola" dos dias de hoje como a vitela assada está para o big mac.
Segue-se que, depois, "Memória de livros" puxou curiosidade por outras escrituras daquele autor, de cuja criatividade e leveza estilística, sem rival, fiquei cliente.
A coisa poderia ter ficado por aí. Mas não.
Anos mais tarde, fui visita de uma casa. Como qualquer casa que se preze tinha as suas estantes e armários, com bibelots, retratos e uma razoável parafernália de aparelhagens de, como agora se diz, entretenimento caseiro. Porém, nas estantes, um único livro. Um só. Curioso, eu perguntava e a resposta vinha com naturalidade: "Livros? É, eu só tenho esse aí".
Conhecia o samba de uma nota só. Passei a conhecer a casa de um livro só.
O livro solitário era "A arte e a ciência de roubar galinha" de, claro, João Ubaldo Ribeiro. Comecei a lê-lo e dei comigo a devorá-lo com vagares de gourmet. Por um dia inteiro fui baiano, o que, para homem que é homem, é o melhor estado de alma que se conhece. Cheguei a ter alucinações auditivas, pois sempre que intervalava a leitura para me espreguiçar (ou seja, muitas vezes), estou capaz de jurar que ouvia uma voz de mulher chamar-me "meu rei!".
Nem sei onde é Itaparica, nunca lá pus o pé, mas passei a ser itaparicano. E acredito piamente, só de ouvir dizer, que não haja no mundo lugar melhor para namorar.
Lido o livro, confesso a vergonha de ter tido a tentação de trazê-lo comigo. Não cedi; teria sido como demolir aquela casa e cometer uma enorme traição à memória dos livros, culpa que me iria mortificar para o resto dos meus dias.
Casas há, cuja memória se basta com um livro só. Dos bons.

13 novembro 2007

Falcões e Mandrakes


Alguém me disse que, tal como nos filmes, também a nossa vida tem uma banda sonora. Subscrevo.

Suspeito que a banda sonora da minha humilde existência seria uma espécie de "best of" do Rui Veloso. Tal como, acho, o seria na de um grande punhado de portugueses, independentementede de credo ou raça.

E o curioso é que, no meu caso, assim seria não por ser um especial aficionado do tipo de música. Vou gostando, mas não trepo paredes.

O que sucede, na verdade, é que, nos montes e vales do meu filme, sempre se há-de tropeçar numa musiquinha do Rui Veloso, tão omnipresente como Sancho Pança ao lado de D. Quixote.

Dias houve em que tive a nítida sensação que o Carlos Tê me seguia, de caneta e bloco em punho, e, volta e meia, telefonava ao parceiro para lhe dizer baixinho "oube lá esta letra, pá, que acabei de sacar".

Também eu, decepcionado, já pedi de volta os Falcões e os Mandrakes. Também eu, até ser despejado, morei em livro de aventuras alheios. E, além disso, nem quero ouvir falar do meu lado lunar.

Porém, o concerto de ontem foi mesmo uma bosta. Safou-se o moço do órgão Hammond.

Desta vez não cumpriste, pá. Faltaste ao prometido.

Vá lá, desta vez passa.

06 novembro 2007

Grey's Anatomy

Estava eu, ontem, com um olho a dormir e o outro a espreitar Grey´s Anatomy, quando, na habitual reflexão final, a protagonista, em voz off, dispara qualquer coisa como isto (cito sem preocupação de rigor) "Os nossos desejos, frequentemente, podem arruinar a nossa vida. Mas, geralmente, os que mais sofrem são os que não sabem o que querem".
O olho que estava a dormir, acordou.
Acho que o segredo do sucesso da série reside na mensagem subliminar que transmite ao espectador: no episódio de amanhã, é perfeitamente possível que a sua vidinha, António, dê entrada neste hospital. Prepare-se.
Isso e, também, perceber o que raio tem Sandra Ho, para eu a achar tão especial. Confesso a minha ignorância.
Bom....o "teaser" também ajuda.

04 novembro 2007