Nos meus temos recuados de gaiato, na aldeia onde nasci, num pequeno mas altaneiro monte, não havia grande coisa para fazer e, como tal, paradoxalmente, a gente divertia-se muito.
A catraiada era despejada na rua às primeiras horas da manhã e só tinha ordem para se chegar perto casa à hora "do comer". Animais sociais que eramos, naturalmente, deslocavamo-nos em bandos ranhosos, devassando hortas e quintais, seguindo cegamente as ordens do respectivo macho alfa (ou fêmea, que nunca fomos esquisitos em questões de género).
Os que ainda não andavam iam pendurados ao colo dos mais velhos e nenhum se perdeu ou caiu a poços ou se magoou seriamente, salvo uma outra cabeça rachada, para fortalecer o carácter.Nesta ausência de entretenimento local, as romarias constituiam sempre ansiados oásis: o S. Brás, a Sra. da Saúde, a Sta. Rita, o Senhor de Matosinhos, o Bom Despacho, a Sra. das Dores, o São Pantaleão, a Sta. Eufémia e o Sr. da Agonia, por esta ordem cronológica, eram uma espécie de temporada taurina.
E o que tinham as romarias? Procissões, foguetório e bandas de música. Daí que assistíssemos compenetrados às procissões, para gozar os anjinhos; entrando o copioso foguetório, dedicavamo-nos à audaciosa actividade de apanhar as canas e, na hora do despique das bandas, zanzavamos à roda do coreto, ouvindo aqui e ali as apreciações dos rigorosos melómanos residentes.
Lembro-me perfeitamente que era o "1812" a prova derradeira da categoria da banda. Era pelo "1812" que a crítica afinava o ouvido e decidia da qualidade dos concertistas, ou da falta dela, está bom de ver. Por isso, quando as primeiras notas do "1812" se faziam anunciar, até a canalhada parava e, ciente da gravidade do momento, afitava as orelhas, para, também, poder ter opinião.
Também eu, não sabendo, na altura, do Tchaikovsky ou do Napoleão, andei nessa guerra, que recordo agora com saudade, pela paz inocente desses tempos.