12 dezembro 2007

1812 - Tchaikovsky

Nos meus temos recuados de gaiato, na aldeia onde nasci, num pequeno mas altaneiro monte, não havia grande coisa para fazer e, como tal, paradoxalmente, a gente divertia-se muito.

A catraiada era despejada na rua às primeiras horas da manhã e só tinha ordem para se chegar perto casa à hora "do comer". Animais sociais que eramos, naturalmente, deslocavamo-nos em bandos ranhosos, devassando hortas e quintais, seguindo cegamente as ordens do respectivo macho alfa (ou fêmea, que nunca fomos esquisitos em questões de género).

Os que ainda não andavam iam pendurados ao colo dos mais velhos e nenhum se perdeu ou caiu a poços ou se magoou seriamente, salvo uma outra cabeça rachada, para fortalecer o carácter.Nesta ausência de entretenimento local, as romarias constituiam sempre ansiados oásis: o S. Brás, a Sra. da Saúde, a Sta. Rita, o Senhor de Matosinhos, o Bom Despacho, a Sra. das Dores, o São Pantaleão, a Sta. Eufémia e o Sr. da Agonia, por esta ordem cronológica, eram uma espécie de temporada taurina.

E o que tinham as romarias? Procissões, foguetório e bandas de música. Daí que assistíssemos compenetrados às procissões, para gozar os anjinhos; entrando o copioso foguetório, dedicavamo-nos à audaciosa actividade de apanhar as canas e, na hora do despique das bandas, zanzavamos à roda do coreto, ouvindo aqui e ali as apreciações dos rigorosos melómanos residentes.

Lembro-me perfeitamente que era o "1812" a prova derradeira da categoria da banda. Era pelo "1812" que a crítica afinava o ouvido e decidia da qualidade dos concertistas, ou da falta dela, está bom de ver. Por isso, quando as primeiras notas do "1812" se faziam anunciar, até a canalhada parava e, ciente da gravidade do momento, afitava as orelhas, para, também, poder ter opinião.

Também eu, não sabendo, na altura, do Tchaikovsky ou do Napoleão, andei nessa guerra, que recordo agora com saudade, pela paz inocente desses tempos.

21 novembro 2007

Intimidade

Todas as quartas feiras, uma mulher banal, vai ter com um homem, ainda mais banal, a um apartamento espartano (melhor dito miserável) num qualquer subúrbio de Londres.
O propósito da visita semanal é um só: sexo. Por isso, parcas palavras são trocadas.
Não se sabe quem são ou como se conheceram. Apenas se sabe da infalibilidade do calendário. Dele vai-se descobrindo aos poucos uma infernal existência pessoal. Dela, nada. Mistério absoluto.
Porém, todas as quartas feiras, dois corpos, que já conheceram melhores dias, cedem aos instintos mais básicos, sem conversa superflua. A ela isso bastava-lhe. A ele, um dia, deixou de bastar, e resolveu segui-la.
Sem ela perceber, descobriu-lhe uma vida corriqueira de dona de casa, com um filho, casada com um taxista gordo, desinteressante entre os desinteressantes.
Numa atracção de mariposa pela luz, o amante (?) interage com o marido enganado, até lhe sugerir, nas entrelinhas de conversas de pub, o estranho caso que a mulher dele mantém consigo.
Logo que descobre que deixou de ser anónima, a dona de casa acabou com as quartas-feiras e escolhe seguir a vidinha no táxi, para felicidade do taxista.
A traços grossos, esta é a história de "Intimidade" (Intimacy) [trailer], filme de Patrice Chéreau, que em 2001 ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim.
Gerou, na altura, (soube, não me lembro) alguma controvérsia pelas ousadas cenas de sexo explícito (mesmo explícito) e foi comparado ao "Último Tango em Paris.
A crítica feminina zurziu-lhe pela falta de verosimilhança da história: nenhuma mulher se sentiria atraída por aquele sexo, daí que o filme fosse, diziam, uma mera reprodução do estereótipo da fantasia masculina.
Porém, o ele ir atrás dela deita por terra a típica imagem de macho, reconhecidamente pouco dada a conversas nesse departamento.
No entanto, quando vi o filme, há uns anos, confesso que fiquei na dúvida: fantasia ou a arte imitando a vida?
Hoje, porém, não tenho dúvidas. A conversa é inevitável, logo, a história é plausível.

20 novembro 2007

Vigilância

" Vigie seus pensamentos, porque eles tornar-se-ão suas palavras;
Vigie suas palavras, porque elas tornar-se-ão seus actos;
Vigie seus actos, porque eles tornar-se-ão seus hábitos;
Vigie seus hábitos, porque eles tornar-se-ão seu carácter;
Vigie seu carácter, porque ele tornar-se-á seu destino."

Esta é uma citação usada a propósito de tudo e de nada na blogosfera.
Nunca vi referência à origem, mas palpita-me que se inspire na Epístola de S. Paulo aos Filipenses.
Se for possível evitar o excesso de zelo vigilante, sempre nefasto à germinação das ideias, parece-me ser um cuidado básico de higiene mental, a praticar naquelas vezes que nos dedicamos à tarefa de "arrumar os papeis" na cabeça.

16 novembro 2007

Miaa Rose

Miaa Rose é já uma pequena starlet global nascida e criada no Youtube, de onde ainda não saiu, mas seguramente vai sair. Tem já, até, clubes de fans e os seus vídeos têm milhões de visitas.

Eis senão quando, sai-se com esta surpresa:

Os Youtugas ficaram aparvalhados. Palavras para quê? É a Maria Antónia Sampaio Rosa.

O estranho caso da casa de um livro só

Eu tenho uma curiosa estória com João Ubaldo Ribeiro. Bem, não é com ele, que, coitado, nunca me viu mais gordo; é sobre ele. Ou melhor, sobre as crónicas dele.
Faço, antes do começo, um prévio registo de interesses: dos vivos, o João Ubaldo pode muito bem ser o maior cronista de costumes da língua portuguesa. Tenho a noção da gravidade da afirmação, mas eu acho.
Feita a advertência, saiba-se que há um bom par de anos, mão amiga, sabedora do meu enlevo por livralhada, e também, porque viera a talhe de foice numa qualquer conversa que não fixei, deu-me a conhecer um texto saboroso, cujo era (e é) "Memória de livros" [ver aqui] da lavra do supradito autor brasileiro. Tão bom ele era (e é) que continuo, ainda hoje, a fazer-lhe visitas frequentes, só pelo prazer de o reencontrar.
Lido o texto, primeiro, fiquei a matutar de onde diabo conheceria eu aquele Ubaldo, escritor. O nome não me era estranho.
Feita a competente investigação, lá confirmei que em tempos recuadíssimos, na bruma do início dos anos 80, o senhor escrevera umas crónicas no trissemanário "A Bola", aproveitando um período que vivera em Lisboa, com bolsa da Gulbenkian.
Sim, é verdade, confesso com saudade, eu lia o trissemanário "A Bola", e tenho pena de quem nunca o leu. É que "A Bola" de então está para "A Bola" dos dias de hoje como a vitela assada está para o big mac.
Segue-se que, depois, "Memória de livros" puxou curiosidade por outras escrituras daquele autor, de cuja criatividade e leveza estilística, sem rival, fiquei cliente.
A coisa poderia ter ficado por aí. Mas não.
Anos mais tarde, fui visita de uma casa. Como qualquer casa que se preze tinha as suas estantes e armários, com bibelots, retratos e uma razoável parafernália de aparelhagens de, como agora se diz, entretenimento caseiro. Porém, nas estantes, um único livro. Um só. Curioso, eu perguntava e a resposta vinha com naturalidade: "Livros? É, eu só tenho esse aí".
Conhecia o samba de uma nota só. Passei a conhecer a casa de um livro só.
O livro solitário era "A arte e a ciência de roubar galinha" de, claro, João Ubaldo Ribeiro. Comecei a lê-lo e dei comigo a devorá-lo com vagares de gourmet. Por um dia inteiro fui baiano, o que, para homem que é homem, é o melhor estado de alma que se conhece. Cheguei a ter alucinações auditivas, pois sempre que intervalava a leitura para me espreguiçar (ou seja, muitas vezes), estou capaz de jurar que ouvia uma voz de mulher chamar-me "meu rei!".
Nem sei onde é Itaparica, nunca lá pus o pé, mas passei a ser itaparicano. E acredito piamente, só de ouvir dizer, que não haja no mundo lugar melhor para namorar.
Lido o livro, confesso a vergonha de ter tido a tentação de trazê-lo comigo. Não cedi; teria sido como demolir aquela casa e cometer uma enorme traição à memória dos livros, culpa que me iria mortificar para o resto dos meus dias.
Casas há, cuja memória se basta com um livro só. Dos bons.

13 novembro 2007

Falcões e Mandrakes


Alguém me disse que, tal como nos filmes, também a nossa vida tem uma banda sonora. Subscrevo.

Suspeito que a banda sonora da minha humilde existência seria uma espécie de "best of" do Rui Veloso. Tal como, acho, o seria na de um grande punhado de portugueses, independentementede de credo ou raça.

E o curioso é que, no meu caso, assim seria não por ser um especial aficionado do tipo de música. Vou gostando, mas não trepo paredes.

O que sucede, na verdade, é que, nos montes e vales do meu filme, sempre se há-de tropeçar numa musiquinha do Rui Veloso, tão omnipresente como Sancho Pança ao lado de D. Quixote.

Dias houve em que tive a nítida sensação que o Carlos Tê me seguia, de caneta e bloco em punho, e, volta e meia, telefonava ao parceiro para lhe dizer baixinho "oube lá esta letra, pá, que acabei de sacar".

Também eu, decepcionado, já pedi de volta os Falcões e os Mandrakes. Também eu, até ser despejado, morei em livro de aventuras alheios. E, além disso, nem quero ouvir falar do meu lado lunar.

Porém, o concerto de ontem foi mesmo uma bosta. Safou-se o moço do órgão Hammond.

Desta vez não cumpriste, pá. Faltaste ao prometido.

Vá lá, desta vez passa.

06 novembro 2007

Grey's Anatomy

Estava eu, ontem, com um olho a dormir e o outro a espreitar Grey´s Anatomy, quando, na habitual reflexão final, a protagonista, em voz off, dispara qualquer coisa como isto (cito sem preocupação de rigor) "Os nossos desejos, frequentemente, podem arruinar a nossa vida. Mas, geralmente, os que mais sofrem são os que não sabem o que querem".
O olho que estava a dormir, acordou.
Acho que o segredo do sucesso da série reside na mensagem subliminar que transmite ao espectador: no episódio de amanhã, é perfeitamente possível que a sua vidinha, António, dê entrada neste hospital. Prepare-se.
Isso e, também, perceber o que raio tem Sandra Ho, para eu a achar tão especial. Confesso a minha ignorância.
Bom....o "teaser" também ajuda.

04 novembro 2007

30 outubro 2007

Cavalgaduras

Ficou-me, de um qualquer livro de leitura da minha escola primária, um texto (nada de grande rolls royce mas para mim delicioso), em que o autor recordava as peripécias do seu exame da 4ª classe, ocorrido quando os exames eram a valer. A dado passo recordava que apesar do pavor, tudo correra muito bem e que até fulano ( não lembro o nome,mas era o menos favorecido das ideias), se safara com um suf, apesar de ter respondido que o feminino de cavalo era cavalgadura.
Ainda hoje me rio quando lembro a primeira vez que o li.
Tenho por certeza firme que o género humano é composto por um razoável número de cavalgaduras. Mais até do que a conta.
Por fatalidade estatística, é de esperar, por isso, que ao longo da vida topemos com muito gado cavalar, do tipo bípede. Não seria por aí que viria o desgosto.
Porém, ultimamente, ou eu cheiro a cevada ou estou metido num rodeo. É que tudo que é cavalo me vem relinchar aos ouvidos.
Arre, égua!

29 outubro 2007

Release me

"Release me" - Oh Laura

Campismo e caravanismo


Nunca tinha feito campismo. Nem caravanismo, que sendo mais sofisticado, no final vai dar ao mesmo. Tinha isso como uma grave lacuna e, parodoxalmente, quase que sentia saudades de viver "on the road", com o livro de Kerouac à cabeceira.
A experiência supera as expectativas. A liberdade de andar pelo prazer de andar e de ficar só para ver "como será isto aqui amanhã ao nascer do sol", toma-nos conta dos sentidos, de forma avassaladora. Mesmo tendo que tomar banhos sumários para poupar àgua e catar lenha para aquecer a marmita, em preparos de Circo Chen.
Sábios são os ciganos, na sua milenar resistência à sedentarização. Eles há muito perceberam que quanto mais se vê, mais fica por ver.

26 outubro 2007

Da percepção das barbas de Che Guevara


Há um par de meses fui a um jantar. Daqueles em que se comemora o início ou o fim de qualquer coisa.
A função prometia ser a habitual estucha e lá fui, preparado para engolir rapidamente o bacalhau com natas e zarpar à primeira oportunidade socialmente correcta.
Sucede que na hora do assentamento, as boas fadas fizeram calhar-me num lugar catita à mesa. Rodeado de gente mais ou menos conhecida, exímia no uso do verbo, a conversa fluiu ligeira e espirituosa, sempre com interesse sucessivamente renovado, proporcionando-me a descoberta de algumas qualidades escondidas nos interlocutores. Além das evidentes, é claro, que já de si eram muitas. Era o prazer da conversa (que cultivo com fervor) em todo o seu esplendor.
A páginas tantas, a propósito já não sei de quê, fiz uma inocente referência às barbas de Che Guevara. As representantes femininas (que à mesa eram a esmagadora e agradável maioria) olharam-me como se tivesse acabado de negar o dogma da infalibilidade do Papa: "Quais barbas? Que disparate! O Che Guevera não tinha barba".
Perplexo, em minha defesa, invoquei o auxilio e a cumplicidade do outro homem da mesa, que, finório, farto de saber que sim mas não querendo ficar mal visto na plateia feminina, mandou às malvas a solidariedade de género e apenas me concedeu que "el comandante" provavelmente (não era certo) apenas teria ostentado uma muito ligeira e imberbe penugem.
De nada me valeu esgrimir as minhas razões de ciência ou invocar os barbudos da Sierra Maestra. Irredutíveis se mantinham: que não, Che não tinha barba.
Vi-me, de repente, metido num episódio de Seinfeld e, à roda da barba e da boina do médico e comunista argentino, a conversa rumou patamares de erudição nunca antes alcançados e terminou a discutir Proust, às 4 da manhã, com argumentações temerárias de quem, como eu, da obra apenas lhe conhece uma citação. Difícil foi vir embora.
A contenda da barba terminou empatada no compromisso de que Guevara terá usado barba, mas antes de ter barba... não a tinha.
Fui cavalheiro e aceitei, sem ter usado o às de trunfo. Podia ter dito que antes de ter barba, Che Guevara, era apenas o Ernesto.
Gostei do empate. Pela perspectiva de que a conversa não ficou encerrada e continuará na melhor oportunidade, que, para mim já tarda.
Estando tão massificado o ícone do revolucionário do sec. XX, não é possível ignorá-lo. Mas o que é fascinante é que, mesmo das coisas óbvias, cada um tem um visão pessoal e diferente, sublinhando determinados detalhes em detrimento de outros. Ainda bem!
Barbudos que ostentais o pêlo com galhardia, é provável que ainda ninguém tenha reparado na vossa barba.
As evidências não carecem de demonstração? Vamos conversar sobre o assunto?.
PS: Já agora, assim de repente e sem olhar, Che Guevara tinha ou não tinha barba?

22 outubro 2007

O lugar do morto


"Álvaro Serpa, jornalista, assiste por acaso ao suicídio de um engenheiro, na sequência de uma discussão com a amante. Fascinado pelo ar misterioso dessa mulher, o jornalista não a cita nos autos de declaração à polícia procurando conhecê-la melhor. Acaba por ser vitimado no decurso das suas investigações."
"O Lugar do Morto", para quem não se lembra ou não é desse tempo, é um filme português de 1984, realizado por António Pedro Vasconcelos, que antes de se tornar o benfiquista oficial, fazia filmes.
Foi na altura um dos maiores sucessos de bilheteira, rivalizando, taco a taco com os habituais filmes de Hollywood.
Parte desse sucesso deveu-se à surpresa. O povo estava habituado a que em Portugal, as fitas fossem verdadeiros pastelões, excesivamente banais ou, então, excessivamente afectados por tiques pretensiosos da arte para a minoria das minorias.
De repente aparece um filme português que, estranhamente, tinha um argumento, ainda por cima, recheado de encontros ocasionais, coincidências sem explicação, ambiguidade erótica e... morte, e a malta ficou parva e agradecida.
Ele era uma sucessão de bares, hoteis, combóios, redacções de jornais e interiores de automóveis. Foi o "ovo de Colombo". Foi como perceber que a vida não tem que ser forçosamente comprida e chata, como eram os filmes lusos da época.
O "lugar do morto" é também a designação popular para o lugar da frente de um automóvel, ao lado do condutor. Com toda a propriedade, sublinhe-se.
Veio-me à memória "O lugar do morto", neste fim de semana. Também daí se vê a estrada de uma maneira diferente.

21 outubro 2007

Anita, que vais à fonte

Poderia lembrar-me de dezenas de "argumentos" para sustentar a defesa da tese anterior.
E nem precisava de recorrer ao cinema ou a rostos conhecidos, pois algumas (benditas sejam) cruzam o nosso pequeno quotidiano. Não precisam ser particularmente exuberantes ou cumprir à risca os cânones estéticos. Basta um punhado de detalhes, um "je ne sais quoi", para nos alumiar o caminho.
Mas, não obstante, lembrei-me de um dos mais eloquentes: Anita Ekberg na Fonte de Trevi [ver aqui].
É tão eloquente, mas tão eloquente no suporte à minha argumentação, que não é de admirar que Mastroianni, fartinho de saber que vai como boi para o matadouro, mesmo assim, entre pela fonte adentro sem olhar para trás.
Eu, que nunca fui sequer a Roma, é como se lá estivesse.

18 outubro 2007

E a Deborah? Kerr um beijo até à eternidade?

Morreu!
Certas mulheres não deviam morrer. Nem envelhecer sequer.
Porquê? Porque dão bons ares, arejam a nossa existência. Tiram o mofo.
No início da sua carreira, Deborah Kerr era conhecida como a "virgem inglesa", pelos seus recorrentes papeis de dama pudica e incorrupta (e, diga-se, interessante como uma lobotomia).
Tudo mudou com o clássico "Até à eternidade". Representou a adúltera Mrs. Holmes, ardente e enigmática, que numa cena antológica (ver aqui) , com o mar a fazer chuáaaaa, ferra no Burt Lancaster o beijo de uma vida.
Burt, onde quer que esteja, passados 54 anos, ainda hoje deve estar a lamber os beiços.
Macho que é macho e nunca replicou ou sonhou com cenário semelhante, precisa de mandar reavaliar a sua macheza.
Porque será que as adúlteras são tão fascinantes?
Nunca ganhou o Oscar. Ou seja, quem perdeu foi o Oscar.

17 outubro 2007

Taur Matan Ruak


Lê-se nos jornais de hoje que o general José Maria de Vasconcelos vai ser reconduzido como Chefe do Estado Maior General das Forças de Defesa de Timor-Leste.
Não é uma notícia interessante, mas é o introito ideal para uma reflexão. Inútil, mas, ainda assim, uma reflexão.
Apesar da ausência de evidências científicas, suspeito que existe um determinismo onomástico. Trocado por miúdos: será que aquilo que somos depende do nome com nos ferram à nascença?
A crer nalguns indícios, palpita-me que sim.
Os brasileiros são um povo alegre e criativo porque, na feliz hora, se esforçam denodadamente por encontrar para os seus filhos aqueles nomes do arco da velha.
Os petizes Deivison, Leydjane, Neudemir, Daiana e Edcarlos, crescendo, só podem tornar-se uns tipos divertidos e amigos da borga. Não têm alternativa. Ficou escrito que assim seria no momento em que o assento de nascimento foi lavrado. O nome marcou o destino.
E não é possível mudar o destino? É. Basta escolher outro nome.
É aqui que entra o exemplo do general José Maria.
O seu nome, apesar de simpático, é bucólico e mais propício uma vida reservada. Seria talvez um competente funileiro ou amanuense da Câmara. Nunca, mas nunca, conseguiria ser um guerrilheiro nas montanhas de Lorosae. Conseguem imaginar? Jose Maria, guerrilheiro.Não bate a bota com a perdigota, pois não?
Agora experimentem: Taur Matan Ruak, guerrilheiro.Tudo, de repente, se harmoniza.
O, agora general, José Maria mudou o seu destino, quando, no café, se virou para os seus amigos e sentenciou: - A partir de hoje, chamem-me Taur Matan Ruak!
Não sei se levou muito tempo a escolher, mas acertou em cheio, caramba Sinceramente, digo com inveja, é um nome que eu me desunharia para ter. Ainda não ouvi outro com mais pinta.
Vou mudar o meu: a partir de hoje chamem-me Jalvar Grom Kur...nãaaa....Trim Jord Palter...nãaa. Eu gostava era de Taur Matan Ruak.
Ok, para já fica como está. Não se pode ser displicente com o destino.
Mas não descansarei até achar o adequado.

16 outubro 2007

Eu andei de Lambretta.


O meu pai tinha uma Lambretta.

Não dessas máquinas modernas e insossas de agora, mas Lambretta, pura e dura, com 2 selins à maneira. Tudo muito anos 60, "comme il-faut".

Por isso, eu andei de Lambretta.

Lembro-me vividamente da sensação de "andar de Lambretta" na idade da inocência. De pé, na plataforma, esguio e franzino, fui descobrindo o meu pequenino mundo de então, com o vento na cara e os cabelos permanentemente desalinhados.

Um dia a Lambretta parou e ficou para sempre imóvel, durante anos no mesmo sítio, a apodrecer por falta de resguardo do rigor dos elementos.

Mesmo parada, não cessei de a cavalgar, por montes e vales, com miúdas na garupa, fazendo vruuummm, deitado nas curvas em equilibrismos temerários e arrepiantes, sempre sem capacete, para melhor aproveitar os benefícios do vento nos cabelos.

Até que um dia, alguém a levou por uns trocados, para desatravancar.

Tenho pena de não ter crescido suficientemente rápido, para poder tomá-la do meu pai. E, de certeza, ser eu a deixá-la apodrecer, no sítio onde sempre esteve.

Calhando, um dia terei que comprar uma Lambretta, daquelas à maneira, com 2 selins, para deixá-la encostada num sítio de onde nunca deveria ter saído.

07 outubro 2007

Rocket Man



O Homem-Bala



O desafio: Um fino cabo de 1 538 m liga 2 montanhas sagradas, sobrevoando o vale, entre Lamelas e Bustelo, a 150 m de altura. Pasmem mortais! é o maior slide do mundo. Os bravos (cof...cof) deslizam por ele, sem rede, a 130km/h. São vertiginosos torpedos humanos. É no Pena Aventura Park.

É um pássaro? É um avião? É o Space Shuttle? É um meteorito? Nãooo.....é o intrépido Rocket Man.

04 outubro 2007

Erguer o órgão.....ehehe...

Durão Barroso reclama o seu lugar na história do marxismo-leninismo... por engano.
Caramba, eu deveria ter feito o mesmo.

23 setembro 2007

Viajar de graça, ou por quase nada.

Certas músicas têm o condão de nos fazer viajar, absolutamente de graça. Ou, até, de nos fazer regressar.

Partir ou regressar? Hein? E que tal as duas coisas ao mesmo tempo?

21 setembro 2007

Cortar o cabelo

me...me...me...Me o quê, raios partam isto, porra. Assim não vou a lado nenhum! Parece o romance do Snoopy que há cinquenta anos não sai do "era uma noite fria e tempestuosa".
Desculpem os leitores esta franqueza de linguagem, mas nenhum escritor é de ferro e isto de escrever por encomenda é ofício cão e muito propenso a achaques, particularmente nos casos em que o talento é minguado, o que não sendo, modéstia à parte, o meu caso - far-me-ão essa justiça-, não obsta a que também tenha os meus dias àridos.
Sucede que ontem, ao jantar, não resisti à orelheira e quando assim é, o melhor é esquecer o dia seguinte para fins de talentos gramático-literários porque, é certo e sabido, farei o papel de Snoopy em cima da casota.
É nestes dias que aproveito para tratar das coisas terrenas, tipo cortar as unhas dos pés ou...ou... cortar o cabelo. Genial! É isso mesmo! Cortar o cabelo. Vou cortar o cabelo. Assim como assim há já meses que pareço um cão de àgua.
Para benefício e ilustração dos leitores, saibam V. Exas. que temos na nossa cidade o melhor barbeiro do distrito. Sem bairrismos, o título é conferido unanimemente - até pela concorrência- ao Neca Barbeiro, profissional com quem tenho o privilégio de privar e a quem o meu pai confiou, há 40 anos, a tarefa de domesticar a minha exuberância capilar.
Diga-se, em abono da verdade, que cliente que entre na barbearia do Neca deve ir preparado para duas coisas:
1-o leque de opções oferecidas à freguesia varia entre o "corte à francesa" ou "à escovinha". Só. Ou um ou outro. "Nada de mariquices, amigo Silveira";
2 -o saber enciclopédico do baeta sobre os segredos e macetes da criação de canários, pintassilgos e rabecos, bicharada devidamente exposta no estabelecimento, em quantidade faraónica.
Vestido o casaco, apagada a beata, bati a porta atrás de mim e num pulo estou no ascensor a assobiar a musica da Floribella ( engraçado: nunca tinha usado a palavra ascensor e soube-me bem).
Sozinho, faço aquilo que faz toda a gente que se acha sozinha no elevador.
O maquinismo parou no 3º andar, para receber uma mulher, recente aquisição do prédio.
Tinha um rosto para o feiote, por sinal. Mas, no entanto...

03 setembro 2007

Márcia e Mário Quintana

A Márcia, por via travessa, “apresentou-me” a Mário Quintana, gaúcho, celebrado como poeta das coisas simples. Que, de facto, é.
São tão abundantes e desconcertantes as suas “pérolas” que delas poderíamos fazer um manual tipo “Como sobreviver à Vida”.

Dele, a Márcia gosta deste poema:

Um dia perceberemos que beijar uma pessoa para esquecer a outra é bobagem você só não esquece a pessoa como pensa muito mais nela
um dia percebemos que mulheres tem instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer
um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
um dia percebemos que as maiores provas de amor são as mais simples
um dia percebemos que o comum não nos atrai
um dia saberemos que ser classificado como "o bonzinho" não é bom
um dia percebemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você
um dia saberemos a importância da frase "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"
um dia percebemos que somos muito importantes para alguém e não damos valor a isso
um dia percebemos que aquele amigo faz falta, mas aí já é tarde demais
Enfim, um dia percebemos que apesar de vivermos quase um século, esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijar todas as bocas que nos atraem, para dizer tudo o que tem que ser dito
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...
quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação!

Este gosto, por si só, é suficiente para lembrar a Márcia e depor a seu favor.

Cruzei-me com ela, circunstancialmente, em viagem auspiciosa. Tem a elegância das mulheres altas e fala como se soubesse que amanhã irá ficar muda para sempre.
Nunca mais tive notícias da Márcia, mas tenho a certeza que lá continua torturada pela ausência do marido que a abandonou por outra mulher. Não sei se se atormenta por amor ou por despeito. Mas, pensando bem, muitas vezes, um e outro não passam de sinónimos.
E sei que, em cada quinta-feira, continua a sair à noite, para beijar um homem diferente e, dessa forma, melhor se lembrar do marido burro que jamais voltará.

08 agosto 2007

06 agosto 2007

As férias do Sr. Hulot

O sol inclemente deste domingo maltratou a minha pele, reconhecidamente melhor preparada para banhos de luar do que para aventuras balneares.
Gosto, porém, desta peculiar praia de perene nortada, onde a temperatura do mar é adequada a ursos polares, como se correntes e marés não soubessem medir latitudes. Os locais insistem em chamar-lhe Moreiró, mas mapas e tabuletas batizam-na de Sampaio.
A ela chega-se por caminhos apertados por extensos milheirais e casas de lavoura anacrónicas, o que só acrescenta ao seu privativo encanto. Um ou outro tasco "acafézado" oferece-se aos banhistas, sem vislumbres cosmopolitas, que por lá, de qualquer modo, estariam deslocados.
É de tempos recuados a vereneação por aquelas bandas, pois lá está o Castro de Sampaio (uma dúzia de pedras reveladoras, testemunham se necessário for), pendurado nas dunas, com vista de condominio fechado sobre o oceano. Seriam da Idade do Ferro, mas os sampaienses ancestrais, em matéria paisagistica, não eram pecos.
Convite amigo, mas igualmente interesseiro, carregou-me a Sampaio.
- Amigo, porque de facto é.
- Interesseiro, porque gulosos e conhecedores das minha lendária (e secreta) habilidade na arte grelhação de toda a sorte de peixes e viandas, armadilharam a minha estância com um cento de sardinhas (das gordas) e umas brasas manipuladas com adequado "savoir faire".
Incapaz de iludir o destino, dediquei-me com bravura à minha arte, cuidando sardinhas e carvão da mesma forma que o Diabo pastoreia almas no Inferno: com calor e devoção. E, também como o mafarrico, vestido de uma reduzida tanga.
Nesses preparos, vislumbrei, porém, uma subtil intervenção Divina. Dava-se o caso de ter um frigorífico prenhe de cerveja gelada, distante do inferno um mero estender de braço. Não podendo abrigar o resto do anatomia, a goela, pelo menos, foi um permanente oásis de frescura. As sardinhas, com agrado geral e comentários encomiosos, fizeram juz à fama do artista e marcharam que nem figos. A cerveja fez igualmente o seu papel desinibidor e, por meu intermédio, desassossegou os convivas (particularmente os de mais bom gosto no vestir), à força banhos de mangueira, actividade que, estranhamente, recolheu firme apoio e incentivo no seio da miudagem e da única cadela presentes no nosso seio.
No rescaldo destas actividades hídricas, o prejuízo foi claro para uma senhora de Lisboa, circunstancialmente convidada, que regressou a casa com um sorriso amarelo e uma câmara fotografica estragada por uma mangueirada mais desastrada. Pode ser que a câmara seja das subaquáticas.
Gosto da estética daquela casa de praia, que, por alguma estranha razão, sempre me faz lembrar as "Férias do Sr. Hulot" e me transforma, por um par de horas, em burguês.
A Lua, nunca a tinha visto nascer como hoje, assim, tão bonita, redonda e grande, atrás de uma casa antiga, la longe, no meio de um campo de milho.
Fotografá-la, sem preparos prévios e demorados, não é possível. Fotografar uma paisagem com Lua tem os seus macetes e carece de equipagens que não estavam à mão. Pena!
Talvez por causa da Lua de hoje, do cão e do pavão não há notícia. Pode ser que, contrariamente à voz corrente, haja na sua existência de animais alguma percepção do Belo e se limitem a observar o astro, reverentes.
Apesar de ainda feder genericamente a sardinha, no meu braço esquerdo, contrariando as químicas, continua a resistir um pequeno oásis aromático.
Vou dormir para o terraço.
segunda feira, 30 de Julho, 1h58

02 maio 2007

Um ano não são 365 dias.

Um mover d'olhos, brando e piadoso,
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
uma pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e gracioso;

um encolhido ousar; uma brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;

esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pode transformar meu pensamento

adaptando Camões... num ano não acho uma hora

29 janeiro 2007

Sufjan Stevens



Volta e meia, afogados na tralha da internet, aparecem pequenos acessórios que, não sendo jóias, são detalhes de bom gosto. E a diferença está toda nos detalhes.
Sufjan Stevens encontrei por acaso. "Chicago" é uma música fresca e saborosa. Óptima para escovar os dentes pela manhã. E tem a vantagem de não passar na rádio. Dá-nos aparencia de distinção e poder de distribuição: só ouve quem eu quero e enquanto eu quero, o que, não sendo absolutamente verdade, também não pode ser facilmente classificado de mentira.
E como hoje acordei magnânimo, aqui fica a sobredita música, para benefício dos espíritos atentos àquele detalhe que parece negligenciável, mas está longe - oh, está muito longe - de o ser.